Apesar de ser sempre
difícil ter opiniões consensuais sobre a sua definição, recuperar obras
marcantes da banda desenhada portuguesa tem sido felizmente comum, desde contribuições
de Fernando Relvas ao recente “Os doze de Inglaterra”, um trabalho editorial de
José Ruy e Guilherme Valente (Gradiva). Publicada originalmente na revista “O
Mosquito” entre 1950-51, esta gesta cavaleiresca situada no reinado de D. João
I é sobretudo uma manifestação do talento do grande autor Eduardo Teixeira
Coelho (1919-2005), cuja qualidade ultrapassou em muito o meio nacional. Desde
já uma nota prévia: “O Mosquito” foi uma leitura adulta, inevitavelmente mais
crítica. A latitude reservada para referências de infância, que tendemos a
desculpar nas suas limitações, é, no meu caso, para a revista “Tintin” ou as
BDs de super-heróis (versão EBAL).
A questão é, passe o
pleonasmo, exatamente em que questão se deve focar uma abordagem a este livro.
E a resposta é simples: trata-se de sublinhar o excepcional trabalho gráfico de
E.T. Coelho numa edição excelente a esse nível, e em relação à qual é preciso
citar o que Manuel Caldas fez com “Prince Valiant” de Hal Foster, ou livros de
Gustave Doré. Na verdade sente-se falta de um mais profundo enquadramento da
obra, não apenas em termos de “O Mosquito”, mas globalmente, de modo a ser mais
relevante para outras gerações de leitores. O elegante trabalho de Coelho não é
menorizado pela influência clara de Foster, e por ambos terem Doré como figura
tutelar. A Arte não ocorre num vácuo, e neste formato o livro tende a pregar
apenas aos convertidos. Por outro lado é preciso referir que “Os doze de
Inglaterra” (na verdade a demanda solitária do cavaleiro “Magriço”) é sobretudo
um notável trabalho de ilustração que procura ser BD, algo com que “Prince
Valiant” também se debate. E nada melhor para vincar isso mesmo do que a
relação tortuosa com o texto que acompanha a obra.
Na publicação original
Raul Correia, diretor de “O Mosquito”, terá adaptado um romance de António de
Campos Júnior, e não é por ser “excessivo, mas belo” (como se lê em vários
locais) que a total reformulação do texto (por José Ruy?) é lícita, se
discutível. Embora isso tivesse sido, desde logo, meritório, não de trata pois
apenas de revelar os desenhos completos de Coelho, “mutilados” na publicação
original para acomodar o extenso texto. A questão é que o Raul Correia
argumentista tinha tendência para se assumir sobretudo como o escritor que
também era, parecendo não acreditar na
linguagem da BD enquanto equilíbrio entre o que “diz” o desenho e o que
refere o texto, desconfiando do primeiro ao ponto de tornar o segundo
repetitivo e redundante. Algo que as inúmeras peripécias do “Magriço” no seu
caminho para a glória não necessitam; sendo clássico nas suas abordagens
narrativas e planificações, o talento de Coelho dá uma expressividade às
personagens e um rigor ao seu movimento que dispensa o que era, no fundo, uma
muleta. Embora esta opção de recuperar o desenho, que não o conteúdo original
da obra, devesse ter sido mais assumida, assiste-se aqui a algo semelhante ao
que acontece na Ópera, onde a identidade do libretista (e, quase, o libreto em
si) é irrelevante perante o compositor e a sua música. Não é bem o que se
pretende em banda desenhada enquanto linguagem, mas é uma boa solução neste
caso particular.
Seja como for, é excelente
ver a Gradiva assumir um rumo criativo na vertente histórica da BD nacional.
Apesar de denotarem conceitos completamente distintos, este recuperado “Os doze
de Inglaterra” de Eduardo Teixeira Coelho fica muito bem ao pé da recente visão
de Aljubarrota em “A Batalha: 14 de Agosto de 1385”, de Pedro Massano.
Os doze de Inglaterra. Ilustrações de Eduardo Teixeira Coelho, trabalho editorial de José Ruy e
Guilherme Valente. Gradiva. 112 pp., 18,70 Euros.
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