segunda-feira, 15 de outubro de 2018

HOLLYWOOD


Queremos mesmo saber a verdade sobre o que admiramos, sejam pessoas, organizações, filosofias? Ou preferimos a Lenda à História? Mais do que isso: não nos importamos de ser enganados, ou queremos mesmo ser enganados; somos passivos ou ativos na nossa demanda de absolutos idealizados que consumimos, mas em relação aos quais nunca nos poderemos comparar?
A indústria cinematográfica trabalha estes conceitos há décadas e, se mesmo hoje, numa idade de informação instantânea (e supostamente “democrática”) se consegue esconder tanta coisa, o que dizer das décadas de 1940-50, quando o “boom” de produção de estrelas e mitos em Hollywood estava em plena consolidação? Num ambiente de policial “negro”, a que junta a “caça às bruxas” anticomunista do macarthismo, é este o fulcro de “The Fade Out: Crepúsculo em Hollywood” do argumentista Ed Brubaker e do desenhador Sean Phillips, (mais) uma imprescindível edição da G. Floy Studio. 
A evolução desta dupla tem sido muito interessante (“Sleeper”, “Incognito”, “Criminal”, “Fatale”), notando-se uma evolução em termos das relações entre pessoas e destas com as várias formas de Poder, muito visível em “The Fade Out”. E este é também um projeto pessoal: John Paxton, tio de Brubaker, foi argumentista em Hollywood nessa época (adaptou “Farewell My Lovely”, de Raymond Chandler em 1944, por exemplo), e a mulher Sarah Jane trabalhava como relações públicas na 20th Century Fox. As suas histórias/memórias servem de ponto de partida a “The Fade Out”, onde o argumento mistura ficção com elementos claramente “inspirados em eventos reais”, incluindo aparições de atores conhecidos (Clark Gable, Ronald Reagan) e outros (mal) disfarçados, para evitar polémicas, presume-se. Passado em 1948, se há algo a apontar a “The Fade Out” é precisamente a multiplicidade de histórias e pontos de vistas que se cruzam, desde mistérios que vêm do tempo do cinema mudo, de cultos como o “Great Eleven Club”, traumas da Segunda Guerra Mundial, escritores na lista negra que usam os nomes de colegas para poderem assinar trabalhos (como Dalton Trumbo), a influência controladora e chantagista do FBI sobre os estúdios, produtores lascivos que nem sonhavam com o #MeToo, atrizes rapidamente substituídas, atores disfarçando a sua sexualidade e quase morrendo em acidentes de carro (como Montgomery Clift). E todos os mecanismos para esconder da imprensa (como as colunistas verrinosas Hedda Hopper e Louella Parsons) identidades ou pecados que só se perdoam se forem os pecados “certos”; cometidos pelas pessoas “certas”. Com recurso a extensa documentação, o universo fascinante e sórdido que os autores evocam vale em si mesmo, com o excelente desenho anguloso e realista de Sean Phillips a destacar-se pela forma brilhante como isola e marca as personagens em momentos de tensão e desespero. E vale a pena citar o magnífico trabalho de Elizabeth Breitweiser na aplicação de cor, como se estivéssemos a assistir a um filme a preto e branco em versão sépia.
Claro que esta é uma história policial com o seu quê de clássico, ou não fora o próprio Dashiell Hammett fazer uma breve aparição para aconselhar personagens inspiradas nos secundários mais perdidos e ingénuos dos seus livros. Como tal, o crime e quem o comete é sempre acessório, mais importante é o espelho que ergue à sociedade que retrata. Ainda assim o desenlace anti climático de “The Fade Out” parece demasiado forçado; uma espécie de final de “Os Sopranos”, mas em expositivo. Brilhante na surpresa; ou sinal de cansaço, como o que invade o protagonista? Seja como for: um retrato a ter em conta, porque o culto das aparências e suas “verdades” não mudou nada.

The Fade Out: Crepúsculo em Hollywood. Argumento de Ed Brubaker, desenhos de Sean Phillips, cores de Elizabeth Breitweiser. G. Floy Studio. 400 pp., 35 Euros.