sexta-feira, 20 de julho de 2018

SÚMULAS


Utilizar a banda desenhada para comunicar de maneira eficiente informação complexa a diferentes tipos de públicos é algo já com grande aceitação, incluindo algumas iniciativas nacionais. Se a Medicina Gráfica utiliza experiências pessoais para humanizar e contextualizar reflexões sobre temas relacionados com a Saúde, incluindo componentes não necessariamente científicos; na Divulgação Científica a ideia é utilizar a BD para descodificar conhecimentos de modo rigoroso, mas acessível. Contando com propostas muito interessantes no seu catálogo (“Logicomix”, “Cosmicomix”, livros de Larry Gonick), a Gradiva tem dado continuidade ao seu excelente trabalho nesta área.

O título “Hubert Reeves explica a Biodiversidade” é revelador da autoridade (sobretudo no meio francófono) do astrofísico e divulgador canadiano Hubert Reeves (conhecido por obras como “Um pouco mais de azul”), que se tem preocupado mais recentemente com a (perda de) biodiversidade. Utilizando uma visita de estudo pela região francesa da Occitânia, Reeves reflete sobre a natureza da biodiversidade, alertando para os perigos que a afetam utilizando de modo eficaz ligações ao dia a dia. O que não significa que todos se revejam nas suas interpretações. Dos combustíveis fósseis às espécies invasoras Reeves tem o condão de evitar associações maniqueístas ou definitivas, focando-se, ao invés, numa abordagem de diálogo permanente e adaptação. Registe-se que a eficácia da mensagem muito deve ao excelente desenho do francês Daniel Casanave, cujo traço enganadoramente simples, servido por cores luminosas, é ideal para o envolvimento do leitor, e para a clareza que a obra pede.



A este livro em formato de álbum franco-belga acrescem dois pequenos volumes traduzidos da “Petite Bédéthéque des Savoirs” (Éditions du Lombard). “O Universo” volta a juntar Reeves e Casanave, e a verdadeira chave deste livrinho está no subtítulo: “Criatividade cósmica e artística”. Reeves revela mais uma vez a sua vertente holística, discutindo as propriedades que governam, não só o cosmos e a vida, mas também a criação artística e cultural. Obrigando a refletir de forma estimulante, esta abordagem será menos consensual do que as mensagens sobre biodiversidade, até pela falta de bases que apoiem alguns aspetos, roçando por vezes um certo misticismo determinista. Mas o desenho é notável, “aguentando” muito bem o pequeno formato. 

Já “Os direitos do Homem” não é divulgação científica, propondo-se desmontar a elaboração da “Declaração Universal dos Direitos do Homem”, adotada pelas Nações Unidas em 1948; bem como os motivos que conduziram às escolhas dos seus redatores para que a mesma pudesse ser, na medida do possível, “universal”, e aprovada pela maioria dos 58 membros da ONU na altura (oito abstenções, incluindo os países europeus do ex-Bloco Soviético, Arábia Saudita, e África do Sul). Numa solução muito interessante, o argumentista belga François De Smet (também filósofo e jornalista) faz da própria “Declaração” narradora, assumindo-se como personagem na sua construção, desde os (tristes) acontecimentos históricos subjacentes (e subsequentes), até à motivação dos diferentes redatores, e à intersecção entre visão e compromisso que marcam este tipo de textos. Quanto ao desenho, o também belga Thierry Bouüaert tem um traço apropriadamente realista, e, embora o tamanho não seja aqui aliado do grafismo, as suas composições transmitem a urgência histórica, ao mesmo tempo que as cores escuras vincam o indisfarçável pessimismo de De Smet; no fundo, a antítese da esperança cautelosa de Hubert Reeves, partindo ambos do mesmo tipo de abordagem global. Leituras complexas e estimulantes podem sem dúvida vir em embalagens pequenas.


Hubert Reeves explica a Biodiversidade. Argumento de Hubert Reeves e Nelly Boutinot; desenhos de Daniel Casanave. Gradiva. 64 pp., 11,70 Euros.
O Universo: Criatividade cósmica e artística. Argumento de Hubert Reeves; desenhos de Daniel Casanave. Gradiva. 44 pp., 9,90 Euros.
Os direitos do homem: Uma ideologia moderna. Argumento de François De Smet; desenhos de Thierry Bouüaert. Gradiva. 84 pp., 9,90 Euros.

Sem comentários:

Enviar um comentário