Talvez o sinal mais
intenso de uma (certa) maioridade na banda desenhada portuguesa seja, não tanto
o considerável volume editorial, mas o consolidar de identidades fortes e
coerentes nas editoras/editores mais interessantes. Algo que, e este é o
principal mérito, torna as suas visões complementares, potencialmente abrindo o
mercado a diferentes tipos de leitores, no sentido em que não é muito difícil
perceber porque motivo uma obra foi editada pela Kingpin Books (Mário Freitas),
e não pela GFloy (José de Freitas). Ou distinguir os interesses da Polvo (Rui
Brito) dos da Mmmnnnrrrg/Chili Com Carne (Marcos Farrajota).
No caso da Kingpin
Books há um fio condutor de um certo onirismo fantástico que perpassa as obras editadas
a diferentes níveis, mesmo quando estas ancoram no real. Nem sempre resulta em
pleno, mas o trabalho editorial tem sido digno de registo, como no mediático “O
Elixir da Eterna Juventude”. Com argumento de Fernando Dórdio e desenhos de
Osvaldo Medina este é, de facto, um livro que orbita (e fagocita) canções de
Sérgio Godinho, com as letras dessas canções (ou suas referências) a comporem a
maior parte do argumento. De resto o protagonista é uma versão do próprio
Sérgio Godinho, surgindo, para além de personagens tiradas da sua obra, o
Carteiro de António Mafra, Jeremias o Fora-da-Lei (Jorge Palma) e Zeca Afonso,
avisando (agora e sempre) contra os Vampiros. A meta-narrativa assume-se em
pleno quando a personagem “Sérgio Godinho” encontra a personagem “Fernando
Dórdio”, que lhe orienta a demanda em busca do sentido da obra, rumo à
imortalidade (artística). Esta é, pois, uma BD escrita em tom de homenagem, mas
cujos mecanismos se ressentem da escolha de letras das canções como principal
“cola” narrativa. Cada canção é um mundo, e tentar fazer de um concerto de
mundos independentes (embora com referências comuns) uma história forte e una
no estilo de Dórdio (“Agentes do C.A.O.S”; “Inspetor Franco: Caos e Ordem”)
nunca seria tarefa fácil. Por outro lado, talvez um ensaio final/memória
descritiva tivesse sido útil para situar leitores não tão familiares com o
universo.
Do ponto de vista
gráfico Osvaldo Medina tem-se revelado um talentoso executante, pela fluidez do
traço, o modo como compreende a linguagem e o marcar de ritmos narrativos (“A
fórmula de felicidade”, “Kong, the King”), embora com menor fulgor no realismo
“puro”. Curiosamente Medina admite ter como caraterística a rapidez de execução
e, talvez essa capacidade o limite nalgumas obras recentes. Se na biografia de
Agostinho Neto é a quantidade de texto que funciona como travão, resultando num
livro ilustrado (e não tanto BD), em “O Elixir da Eterna Juventude” notam-se
problemas na representação, expressões e movimento. O desenho é aqui mais
rígido do que noutras colaborações com Fernando Dórdio, talvez prejudicado pela
necessidade de ligação a pessoas reais/reconhecíveis. E a cor, oscilando entre
uma neutralidade baça e uma agressividade exagerada, também não ajuda.
Em suma, “O Elixir da
Eterna Juventude” é uma excelente ideia que merece ser descoberta por fãs de
Sérgio Godinho, que se poderão dedicar à arqueologia das letras, e, sobretudo, a
tentar “ouvir” as sonoridades das músicas ao longo do livro. Mas é uma BD que
se estranha, e da qual se gostaria de ter gostado mais. Como o primeiro gomo da
tangerina.
O Elixir da Eterna Juventude. Argumento de Fernando Dórdio, desenhos
de Osvaldo Medina (cor de Joel de Souza). Kingpin Books. 90 pp., 13 Euros.
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