Na minha profissão de
biólogo sou constantemente confrontado com o facto de muita gente considerar as
Ciências da Vida impenetráveis, impossíveis de entender pelo comum dos mortais,
e com muito pouca utilidade, apesar de todas as evidências tecnológicas em
contrário. Nessas ocasiões tendo a responder que, idealmente, o pensamento
científico é uma maneira muito útil de abordar o mundo, capaz de avançar o
conhecimento nos mais variados assuntos, de fazer previsões, e de mudar na
presença de novos dados, desde que convincentes. Pelo contrário, outras formas
de questionar a realidade, tão ou mais opacas para o cidadão comum, parecem,
não só presas a dogmatismos inverificáveis, mas sobretudo patologicamente
incapazes de acertar uma análise ou de aumentar o nosso conhecimento, teimando
em soluções que já provaram a sua inutilidade. No entanto, os seus
especialistas (e as escolas que os formam) continuam a ter infindável prestígio,
poder e tempo de antena, mesmo (ou sobretudo?) quando erram. Podia estar a
falar de futebol ou de política. Mas estava a pensar em Economia. Daí a
importância de “Economix”, um excelente lançamento da Arte de Autor.
Nesta obra o
argumentista Michael Goodwin parte dos mesmos pressupostos, mas tenta
percebê-los, e, sobretudo, explicá-los de modo simples e direto (mas nem por
isso menos rigoroso), utilizando o imenso poder das codificações inerentes à
banda desenhada. Conta aqui com um notável trabalho gráfico a preto e branco de
Dan Burr, que perde neste livro a riqueza de traço e sombras de obras
anteriores (os aclamados “Kings in Disguise” ou “On the Ropes”, ambos com
argumento de James Vance), para ganhar uma clareza esquemática que é essencial
para captar as mensagens do argumento. Em “Economix” não aparecem só figuras
tutelares bem conhecidas, como Adam Smith, Thomas Malthus, Karl Marx, John
Maynard Keynes, John Kenneth Galbraith ou Milton Friedman (que nem sempre
disseram aquilo que pensamos que disseram), mas também outras, como o britânico
David Ricardo (1772-1823), descendente de judeus sefarditas portugueses vindos
da Holanda, autor da teoria da “vantagem comparativa”, e que Goodwin classifica
como: “a mais importante pessoa de que você nunca ouviu falar”. Mas este não é
um livro sobre pessoas e suas teorias (embora exija muito do leitor a esse
nível), mas sobre o modo como Economia, Política e Sociedade se têm relacionado
ao longo da história contemporânea, com o grande mérito de considerar o mundo
como um todo, e não ter medo de chamar as coisas pelos devidos nomes. E talvez
a mensagem mais importante esteja no modo como o livro contextualiza diversos
marcos históricos do ponto de vista económico, mostrando como, ao ignorar as
contingências de um mundo real que diz modelar, muita da ciência económica está
fadada ao insucesso. Ou, noutra perspetiva, que há explicações muito simples
para realidades menos agradáveis, caso estejamos dispostos a enfrentá-las. Por
último, “Economix” tem, como o próprio Goodwin refere, o mérito fundamental de
estimular outras leituras, sobretudo quando não está bem certo das suas
posições, assumidamente (também) políticas. Até porque, já depois da publicação
original deste livro (2012), houve Trump, e a internet não é nada daquilo que
Goodwin achava na altura.
“É a Economia,
estúpido!”, foi um dos slogans de James Carville para Bill Clinton; e é
importante que, mesmo no nosso “papel” de consumidores, não sejamos estúpidos com
ela. Ou deixemos que façam de nós estúpidos. No mínimo, deveríamos usar algo
como o pensamento científico para avaliar evidências, e chegar, com um mínimo
de vieses, a conclusões tão informadas quanto possível.
Economix: Como a Economia funciona (e não
funciona) em palavras e imagens. Argumento de Michael Goodwin, desenhos de Dan E. Burr. Arte de Autor. 304
pp., 21,95 Euros.
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