Cada geração (seja lá
como for que se defina essa entidade fluida) tem como ponto de honra do seu
percurso zurzir educativamente na que lhe sucede. Porque “no nosso tempo é que
era, e tínhamos de estudar... (preencher espaço em branco com algo como: latim,
francês, livros em papel...)”; e, por consequência, ”os miúdos de hoje não
sabem nada!” Esse discurso convenientemente esquece que gerações mais novas
vivem num contexto distinto (duvido que algum seu membro leia isto); ou que
muito daquilo que expressam é devido a comportamentos sociais que implicam
também os seus progenitores. E o sistema educativo também teria obrigação de se
adaptar, apesar de ter vindo a ser cada mais desvalorizado. Um tipo de resposta
pode ser superficial, implicando o prolongamento do mesmo programa por outros
meios, algo que também cria novos mercados, já agora. É, notoriamente, o caso
do universo fascinante das “explicações”, antes pontuais e para algumas
matérias nos últimos anos do ensino secundário, hoje ubíquas para todos os
assuntos, da primária ao superior.
Viver de banda
desenhada não é fácil, e dar explicações de Geometria Descritiva é uma das
soluções que Álvaro usa para chegar ao fim do mês. Autor de obras como “Sexo,
mentiras e fotocópias” ou “Balcão trauma”, Álvaro é candidato há anos ao prémio
apócrifo de “melhor humorista português a merecer um reconhecimento mais
amplo”. Em “Conversas com os putos” as situações são tiradas, diz o autor, de
comentários reais de explicandos; provando mais uma vez que o pior da realidade
pode resultar no melhor do humor. Depois de um primeiro volume (Polvo, 2017),
segue-se agora um segundo em edição própria (Insónia Edições, 2018) que, e isto
é sintomático, inclui também “bitaites” dos pais dos alunos, demonstrando, se
era preciso, que as gerações são produtos umas das outras; e, por conseguinte,
que vamos piorando (perdão! mudando...) em sintonia uns com os outros, e com o
restante universo.
O traço caricatural de
Álvaro é de uma simplicidade desarmante, muito eficaz a resumir situações,
comportamentos e personalidades, sempre em risco de desaguar no grotesco. É
nesse controlo de exageros que se joga a parte visual do seu humor, como na
obra seminal sobre o pequeno (grande) poder do funcionário rígido e
incompetente “Sexo, mentiras e fotocópias”. E se em “Balcão Trauma” surgiam
desequilíbrios, os momentos de “Conversas com os putos (e com os pais deles)”
mostram um Álvaro em plena forma. Não só pelo humor por vezes inacreditável das
situações em si, mas porque, apesar de serem curtos episódios isolados, ao
longo do livro Álvaro deixa claro que o problema vai bem para lá da
pusilanimidade das pessoas com quem interage, e para quem as explicações são
uma obrigação sem grande sentido. Se há sempre a tentação de pairar por cima do
oceano de ignorância numa posição de superioridade intelectual (e moral), a
verdade nua e crua é que o autor é mais refém da sua educação do que os seus
explicandos, ou os ainda mais preocupantes progenitores. Os primeiros em breve
esquecerão tudo o que foram forçados a “marrar”, os segundos demonstram que não
é preciso muito para triunfar na vida, desde que “triunfar” signifique
conseguir pagar explicações aos filhos. Claro que há exceções e exemplos de
compaixão e generosidade, necessários até para aliviar a carga potencialmente
negativa e de sentido único que uma abordagem destas poderia ter. Mas o
essencial é isto: não estamos a educar bem, e devíamos fazer algo sobre isso.
Sermos capazes de rir das nossas limitações já é um (bom) princípio.
Conversas com os putos. Argumento e desenhos de Álvaro. Polvo. 64
pp., 7,90 Euros.
Conversas com os putos (e com os pais
deles). Argumento e desenhos
de Álvaro. Insónia (insonia.edicoes@gmail.com). 80 pp., 11 Euros.
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