O
lançamento de “Sabrina” do norte-americano Nick Drnaso numa excelente, se
inesperada, edição da Porto Editora tem explicação: este foi o primeiro romance
gráfico (novela gráfica, banda desenhada, BD...) finalista (“longlisted”) do
prémio literário Man Booker, em 2018 (o vencedor, “Milkman” de Anna Burns, vale
a pena). Sempre que isto acontece, sendo “isto” uma BD ser considerada para (ou
ganhar) um prémio que “não é suposto” por ser destinado a “livros a sério”,
fico deprimido. Porque não devia ser notícia, mas, sobretudo, pela minha falta
de paciência, quer para os que se indignam com a distinção, quer, pior ainda,
para as múltiplas “descobertas” de recém-convertidos (ou aqueles com vagas
lembranças de “Tintin”, “Corto Maltese” ou “Sandman”) que aproveitam a ocasião
para proclamar que a BD “agora é para adultos”, esquecendo-se o logo a seguir,
com o próximo filme da Marvel. Aconteceu quando “Maus” de Art Spiegelman ganhou
o Prémio Pulitzer (1992), “Jimmy Corrigan” de Chris Ware ganhou o prémio do
“The Guardian” (2001), ou outras BDs ganharam prémios de literatura de terror,
fantasia ou ficção-científica. É que a banda desenhada sempre foi capaz de
contar estórias complexas, utilizando a sua singular linguagem de dupla
gramática, escrita e desenho. Como faz, de resto, Nick Drnaso em “Sabrina”.
A
história, simples nas suas ramificações absurdas, relaciona de forma brilhante
os Grandes Espaços dos EUA (sejam paisagísticos ou urbanos) à pequenez vazia de
muitos que os ocupam. Onde tudo e nada pode ser por acaso, e a realidade
digital explode qualquer tentativa de racionalidade. O isolamento das
personagens é, de resto, um pouco também o isolamento presumido da BD enquanto
forma de expressão. Um isolar que tem tanto de passivo como de ativo, empurrado
por forças invisíveis e teorias de conspiração que seriam ridículas, não se
desse o caso de conhecermos equivalentes, em que amigos e familiares (e
governos e redes sociais...) acreditam, ou fingem acreditar por diferentes
motivos; com consequências desastrosas. Aquilo que começa com um crime “banal”
(como banais se tornaram aquilo que são autênticas performances de violência
pública), espirala para um mar revolto de desinformação, que vai muito além da
vítima (ou do assassino). A inocência ou ignorância não tornam ninguém imune, e
a única solução parece ser a fuga. Para a frente, para trás, para um lugar de
imobilidade anestesiada, para onde for. Mas onde as personagens se fixam, numa
espécie de autismo inútil, que é muito útil para que o mundo continue
exatamente como está. Porque o ruído que dele surge é menos eloquente do que
silêncio.
Lembrando
os universos em BD de Chris Ware e Jeff Nicholson, mas com ligações a pintores
como Edward Hopper e Andrew Wyeth, o grafismo “neutro” de Drnaso, com
personagens inexpressivas, cores planas e longos planos de imagens repetitivas
não é necessariamente fácil de assimilar, mas revela-se virtuoso no aprisionar
de cada indivíduo na sua realidade. Recomenda-se ainda o anterior livro do
autor, “Beverly” (2016), uma coletânea de histórias curtas que tratam muitos
dos mesmos temas de isolamento, alienação, exploração e crueldade; utilizando a
brevidade para focar as mesmas mensagens evidentes em “Sabrina”. Bela aposta,
livro urgente. Por acaso em BD.
Sabrina. Argumento e desenhos de Nick Drnaso. Porto
Editora. 205 pp., 24 Euros.
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